sábado, 19 de março de 2016

Vale quanto pesa



Lembro-me nitidamente da primeira viagem que fizemos juntos. Planejamos algumas coisas com antecedência, o lugar, as datas, as passagens, mas você não gostou do hotel que escolhi. Deleguei-lhe então a tarefa de cuidar da hospedagem, mesmo com o receio de que não reservasse um lugar apropriado para passarmos as férias. 
No dia da viagem, chegamos de carro, e o local escolhido tinha uma entrada meio escondida pela auto-estrada, o que dava a sensação de que era um destes hotéis baratos, de quinta categoria. Quando estacionamos, pensei que seria uma estadia sofrida naquele lugar estranho. Porém, alguns passos adiante, já na recepção, percebi que o hotel era, na verdade, encantador. Tinha uma enorme área verde com bangalôs bem distribuídos, e algumas trilhas nas quais podíamos caminhar e ver macaquinhos, vários tipos de pássaros, e outros bichos que eu não conseguia identificar. Havia um mirante do qual podia-se avistar a praia, quase deserta, as falésias imponentes, e pela manhã, alguns golfinhos fazendo seu percurso pelo mar. 
Poucas vezes me senti tão feliz como naqueles dias em que tomávamos o café-da-manhã com aquela vista estonteante, e logo depois descíamos uma grande escada que terminava na areia da praia. Eu tomava sol ouvindo música, e você lia um livro que eu emprestara. Era um livro repleto de contos sobre vários tipos de amor. Ao terminar de ler, você apenas me devolveu e disse "gostei", sem comentar nenhuma história ou acrescentar outra opinião. Não estranhei, pois você não costumava mesmo falar sobre amor. 
Na praia, vez ou outra entrávamos no mar, e nos divertíamos com aquelas brincadeiras bobas de casal, um tentando assustar o outro fingindo ter visto um animal qualquer. Numa destas bobagens, eu usava meus óculos escuros, novinhos em folha, e eles caíram na água. Vendo meu desapontamento, você mergulhou depressa e procurou por alguns minutos, até encontrá-los. Quando me entregou eu te beijei com força, e disse, muito piegas: "meu herói!!". O riso vinha fácil, e das coisas mais banais. Tudo nos distraía, e nada era muito importante. 
Em alguns dias você passava bastante tempo retratando as paisagens com seus equipamentos pesados e complexos, enquanto eu caminhava pela praia tranquilamente. Lembro-me que uma vez vi um cachorro que me pareceu muito solitário, e tirei várias fotos dele com a câmera do meu telefone. Na época eu não sabia, mas talvez aquela cena tenha chamado a minha atenção por se contrastar tanto com meu estado de espírito.
Quando anoitecia, costumávamos sair para jantar e comíamos frutos do mar conversando animadamente, Bebíamos "mojitos" e nos olhávamos com os melhores olhos possíveis, não poderíamos estar mais apaixonados. 
Como fomos felizes naquelas férias nas quais as exigências e o rigor do amor ainda não contaminavam nossa convivência. Quando eu não esperava que você entendesse a minha literatura, e você não queria mais do que espiar as minhas fotos ruins. Não precisávamos de nada além do sol na pele, e do carinho espontâneo que aquele lugar evocava. Ainda não havíamos nos decepcionado tanto um com o outro, e juntos, tínhamos a leveza dos corpos mergulhados no mar. O pior de cada um não tinha ainda emergido, e conservávamos a doce ignorância e ingenuidade em relação ao que nos unia. 
Não saber - ou não querer saber? - do lado sombrio do amor nos mantinha naquele paraíso ensolarado que desfrutavamos por fora e por dentro de nós. O calor da praia a aquecer aqueles sentimentos, a vastidão do mar dando a impressão de que nada poderia esvaziar aquela história.


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