segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Tragédias cotidianas

Pensavam, cada um a seu modo, que os sentimentos tinham sucumbido aos problemas e ao cansaço. Que a admiração tinha cedido à preguiça de descobrir outras partes do outro. Que a tolerância acabara por causa de tantos olhares de reprovação, ou mesmo pela falta de olhares.
Não se falavam muito, a não ser trivialidades que deixavam as coisas tão entediantes que se arrependiam logo em seguida. Comentavam o tempo, a comida, ou alguma novidade da internet.
Enquanto isso, imaginavam coisas a dizer, histórias para contar, na tentativa de despertar novamente aquela alegria leve e fácil do primeiro jantar que tiveram juntos.
Mas naquela noite não conseguiram dizer quase nada, a não ser repetir as mesmas desculpas para justificar seus erros, e prometer novamente coisas que não conseguiriam cumprir. O tom de voz era aquele das discussões doídas, do sofrimento amadurecido, mas não menos intenso. Já não choravam, não havia susto ou surpresa o suficiente para provocar lágrimas.
Tudo indicava que o fim havia se instalado. Que ambos deveriam procurar outras formas de suportar seus medos e outros lugares para buscar suas alegrias. Que era necessário renovarem suas esperanças, seus sonhos.
No entanto, no meio daquela conversa dura e seca acabaram adormecendo. Cada um se aconchegou como pôde, puxou uma parte do cobertor, recostou a cabeça em um travesseiro. Tantas vezes aquela cama os tinha aproximado, mas naquele dia ela apenas os acolheu, cada um com suas dúvidas, com seus temores, com suas lutas.
No dia seguinte, ela levantou mais cedo, coisa que raramente acontecia, e sentiu fome. Preparou uma boa mesa de café–da-manhã e se serviu. Ele acordou bem depois e sorriu ao vê-la lavando a louça. Beijou seu pescoço e ligou a cafeteira, dizendo, como fazia há muitos anos: “Só acordo mesmo depois de tomar o meu café...”



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