sábado, 11 de outubro de 2014

Sobre a psicanálise e a diferença


Às vezes é difícil acreditar que a psicanálise surgiu com um esforço de Freud de apresentar ao mundo científico um pensamento diferente do vigente, um modo original de compreender o mundo e o homem.
As instituições de formação e as produções psicanalíticas foram colonizadas de tal maneira que atualmente ter afinidade ou simplesmente querer estudar autores que não são os "portadores da verdade" é visto como uma tolice, uma bobagem.
De repente, trabalhar a partir de autores-pilares da psicanálise é mal visto, é deselegante, é motivo de desprezo e descaso.
Só há uma psicanálise possível, o resto é resistência e dificuldade de entender "aquele com o qual não se discute".
A impossibilidade de discutir é uma tendência tão arraigada que parece consenso até mesmo entre professores, pensadores (?) que participam da formação de outros profissionais.
Recentemente presenciei duas cenas que na minha opinião deixariam Freud extremamente insatisfeito: numa delas um professor orientou um aluno a não tentar transitar entre duas teorias, a "ficar só em uma delas", pois elas não podiam ser comparadas.Tal recomendação veio acompanhada da alegação de que tal aluno "não conhecia realmente uma das teorias", já que ele não se considerava um filiado àquela corrente de pensamento. 
Na outra cena, num espaço de formação psicanalítica, uma pessoa demonstrava claramente seu profundo desinteresse pelo que estava sendo transmitido, simplesmente porque aquelas ideias não faziam parte da psicanálise que ela considerava "legítima". 
É perceptível como a recusa em saber pode perpassar tanto a posição de ensinar quanto a de aprender, num movimento de fechamento de uma teoria sobre si mesma, e de desqualificação completa daquilo que desta difere.
Não me identifico com essa "psicanálise de maçonaria", na qual apenas os iniciados compreendem o que está sendo dito e têm direito de fazer críticas.
Não reconheço nesse movimento de negação de outras teorias a postura freudiana, já que ela sempre foi a de abrir espaço para o pensar a partir de novos elementos, de dialogar com outras áreas, outros autores. 
E muito menos acredito que esse tipo de postura combina com uma forma de ver o mundo que sempre partiu e valorizou a diferença.

Se um pensamento só pode ser discutido por aqueles que o aceitam, ele deve ser chamado de religião, ao invés de ciência.
Se um pensamento é imposto como o único que detém a verdade, ele deve ser chamado de totalitarismo, ao invés de teoria.

E finalmente, é preciso lembrar que a psicanálise é, essencialmente, um modo de pensar que se propõe a aliviar o sofrimento humano a partir da escuta e do reconhecimento deste em suas singularidades e DIFERENÇAS.

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