Foi você que me apresentou boa parte da literatura que mais me agrada hoje. Li muita coisa através dos seus olhos. Dos grifos nos livros, seus comentários, suas análises dramáticas. Aprendi o seu sotaque para ler um livro.
De um, em especial, me lembro com detalhes. Era um livro excelente, sobre uma história terrível. Não sei se você se lembra... mas era triste, amargo, basicamente um caso de amor não correspondido. Há vários tipos de amor não correspondido, formas que vão muito além do amor romântico entre homem e mulher.
Naquele livro, o sentimento engasgado e escrito com tanta crueza me impressionou muito. Aquela história me marcou, porque eu acho que acabei me apaixonando pelo personagem errado. Pelo cara escroto que transformava um não numa infinidade de torturas e desgraça para quem estava à sua volta.
Mas a ideia não era essa, eu acho. Talvez a ideia fosse eu me identificar com as vítimas do cara escroto, me apiedar delas, e ficar pensando em como evitar lidar com pessoas daquele tipo. Essa era a sua ideia, acho.
A minha ideia era diferente. O que eu sentia era outra coisa. Frequentemente, no meio da leitura, era invadida por uma enorme vontade de abraçar aquele cara escroto, de dizer que eu entendia que a vida era pior, muito pior do que a gente merecia e esperava. Sentia um impulso de me misturar e me afastar daquela sujeira toda ao mesmo tempo. A minha ideia era errada?
O que eu escrevi depois, sobre o livro, você disse gostar. Fez aqueles elogios de sempre, deu aquele apoio de sempre. Aquele seu jeito de ler as palavras dos outros mais com os seus olhos do que com os deles. E depois você disse gostar também de muitas outras coisas que escrevi. Muitas outras coisas que eu pensava, lia e dizia, e você elogiava por me achar o máximo. Mas eram todas coisas contaminadas pelos seus olhos, pelo seu jeito de ler. Pelo seu sotaque.
O que eu só entendi agora, é que apesar de todas as lisonjas, mesmo depois de me ler tanto, você não entendeu o que estava escrito em mim desde o início. O meu texto, as minhas ideias eram sobre o cara errado. Você nunca abandonou o seu sotaque e leu tudo espelhado: inverteu frases e palavras.
O que eu queria dizer não era sobre as vítimas não. Era sobre ele, o cara que precisou daquele abraço que nunca veio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário