quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Como somos amados

Não é difícil perceber que nossa história pregressa constrói os moldes nos quais tecemos a maioria de nossas relações pessoais. Não é uma questão de simples causa e efeito, mas a lição mais básica que a psicanálise ensina é que amamos no presente, nos valendo de como fomos amados no passado. Parece muito lógico: os afetos não são inatos, nossos sentimentos, nossas ligações, relações sociais precisam ser aprendidas, desde o beabá. Logo, alguém que é carinhosamente tratado desde o início da vida, mais estimulado será a se comportar desta maneira com seus familiares, amigos, conhecidos. Já uma criança que se desenvolve num cenário particularmente violento, empregará com mais facilidade a agressão como maneira de demonstrar seus estados emocionais.
Parece fácil, mas não raro nos deparamos com situações mais enigmáticas. Pessoas com histórias de vida marcadas por eventos extremamente traumáticos, por relações familiares conturbadas, por escassez de cuidado e proteção. Todos nós conhecemos um ou  outro exemplar como este, que a despeito dos caminhos tortuosos do afeto, esbanja aquilo que lhe foi negado. Não compreendemos de onde vem aquele repertório de comportamentos, aquela disponibilidade de aceitar o outro, e, carentes de solução, algumas vezes colocamos a explicação na espiritualidade ou no empenho da própria pessoa.
O fato é que, por mais que investiguemos o passado de alguém, nunca temos acesso à totalidade de sua história. Sabemos que o sujeito teve uma mãe violenta, mas raramente temos a noção precisa do caráter dessa violência. A agressão tem muitos matizes, pode ferir cicatrizando, ou dilacerar irremediavelmente. O que nos incomoda é que algo escape ao nosso entendimento, à nossa teoria. Mas quase sempre muita coisa escapa. Mesmo em um processo analítico, quando alguém se propõe a esmiuçar sua história, aquele que a escuta tem apenas um vislumbre dela. E a partir deste vislumbre, tenta explicitar para o falante seu jeito de amar.
Que deste reconhecimento surja também um desejo de mudança deve-se o sucesso de um processo terapêutico. Mas muitas vezes este desejo é fruto de uma relação amorosa. É comum que sejamos convidados a "aprimorar" nosso manejo afetivo, principalmente se este causa sofrimento a quem amamos.
Ora, se temos pouca noção de como amamos, que dirá saberemos (e acolheremos) a forma com que o outro nos ama. Desconhecendo o amor que damos, o que recebemos, e até o que dispensamos a nós mesmos, neste diálogo de surdos, o ponto mais firme no qual podemos ancorar é a percepção do que nos provocam certos tipos de amor. Que seja excessivo, ou comedido, que seja violento ou acolhedor. Que me provoque medo, saudade, carência ou tranquilidade. Independente do estilo do afeto, o importante é considerar que muitos aspectos do modo como o outro ama escapam a ele mesmo, e portanto, mais do que depositar nossas esperanças em grandes transformações neste sentido, o mais sensato seria avaliar se podemos ( e queremos) conviver com os efeitos deste amor em nós.
Resumindo: como exigir que o parceiro nos ame de outra forma, se mal podemos controlar como o amamos?

Um comentário:

Patrícia Monteiro disse...

Este é o melhor texto do blog, pelo menos até agora.

"Independente do estilo do afeto, o importante é considerar que muitos aspectos do modo como o outro ama escapam a ele mesmo, e portanto, mais do que depositar nossas esperanças em grandes transformações neste sentido, o mais sensato seria avaliar se podemos (e queremos) conviver com os efeitos deste amor em nós".

Se conseguíssemos fazer isto a vida seria bem mais fácil.