segunda-feira, 25 de julho de 2011

Spigui e Mme Cs

De acordo com a classificação do CID-10, nos episódios depressivos a pessoa "apresenta um rebaixamento do humor (sim), redução da energia (sim) e diminuição da atividade (sim). Existe alteração da capacidade de experimentar o prazer (sim), perda de interesse (sim), diminuição da capacidade de concentração (sim), associadas em geral à fadiga importante (sim), mesmo após um esforço mínimo. Observam-se em geral problemas do sono (sim) e diminuição do apetite (definitivamente não!). Existe quase sempre uma diminuição da auto-estima (néam?!) e da autoconfiança e frequentemente idéias de culpabilidade e ou de indignidade (totalmente sim), mesmo nas formas leves."
A maioria destes ítens se apresenta hoje em meu estado de espírito. Mas outros também se agregam, mesmo que de forma efêmera, à inusitada colagem de afetos que me compõe agora. Entre eles, súbitas vontades de morar em lugares distantes, de nunca mais ver um rosto conhecido, e começar a vida do zero, de sair com o melhor vestido de festa e beber quantos Mojitos o corpo aguentar, de ficar deitada no sofá para todo o sempre, usando meus últimos reais para contratar o irmão mais novo para me trazer comida e água...
Entretanto, tais desejos radicais me dão as costas com a mesma intensidade com que brotam. Não duram nem o tempo necessário para que eu decida qual é o meu melhor vestido de festa...
No fim das contas, continuo de camisola, mudando de canal, verificando atualizações na net...
Eis que a consciência, meio bêbada ainda, acorda, cutuca revoltada o superego desleixado e flácido, berrando que uma dissertação de mestrado deve ser escrita imediatamente.
Posso ouvir seus gritinhos estridentes (sim, pois é uma magrela infeliz a minha consciência): "Onde ela pensa que vai chegar dessa maneira? Além de tudo, sabe há quanto tempo ela não faz ginástica? Acha que pode ficar comendo pizza depois dos 25?"
Com a complacência que lhe é característica, meu robusto superego afirma, cansado e revirando os olhos daquele jeito irônico que só eu mesma sei imitar: "Ora... mas o que quer que eu faça?? Mais pensamentos ruins do que os que eu tenho lhe enviado mente adentro é impossível!! E já usei de todos os recursos... pesadelos com monstros da infância, terrores noturnos, medos de abandono, fantasias de suplícios... nada parece funcionar! Já me sinto cansado, fraco... sinceramente, perdi o gás..."
A consciência retruca: "Eu te avisei! Avisei, avisei!! Desde o princípio te disse que acostumava essa menina muito mal! Todas aquelas concessões, aqueles caprichozinhos que concordava em deixá-la realizar, e tudo sem nenhum castigo! Só poderia dar nisso! Agora, me diga, como ficamos??"
Eu, penalizada pelo meu camarada supergo (que eu carinhosamente chamo de Spigui), e pelo esfrega que estava levando, tento dizer à cs que ele realmente tentara fazer um bom trabalho comigo, e tudo mais. Mas, como aqueles treinadores que amam seus atletas como se fossem filhos, não conseguia me punir verdadeiramente, já que cada repreensão acabava sendo tão doce quanto a própria subversão cometida.
Intolerante, mal educada, e de uma arrogância ímpar, a Senhora Cs me arrebita o nariz e afirma que se necessário fosse corrigiria os erros de Spigui com mãos de ferro. Que nunca em toda sua vida conhecera ser tão desmazelado, inconsequente, cuja  moral fosse tão questionável e a conduta tão tortuosa como eu, e que não mediria esforços para mudar tal situação, já que, se afundasse esta Comandante Sparrow, afundariam também ela e Spigui, o que jamais permitiria enquanto vivesse.
Até este momento, estava disposta a relevar sua agressividade e sua histeria, ignorando o ataque justiceiro da Senhora Cs, pois sabia que sem um aval do meu aliado ela não tinha muitos poderes. Entretanto, soltou uma última frase, entre dentes, com voz rouca e grave, que conferiu mais severidade ao que disse, que me fez mudar de idéia:
"Sem falar nestes quilinhos a mais...que lhe fazem perder até mesmo o charme das jovens desmioladas...".
Brutalmente ferida, humilhada pelo golpe baixo de Mme Cs, saí repentinamente de minha prostração e tomei a atitude mais enérgica que me foi possível no momento. Decretei, aos gritos e safanões, que não a queria mais morando sob o mesmo teto que eu. Ou melhor, que não a queria morando sob o meu teto, que arrumasse imediatamente suas coisas e partisse tão logo quanto possível! Que não mais toleraria este tipo de insulto torpe em minha própria mente, e que este acontecimento servisse de exemplo para todos os outros que ousassem me afrontar!
Orgulhosa até o fim, Senhora Cs não se rebaixou, não se desculpou nem voltou atrás. Fez as malas, partiu sem nem mesmo um suspiro mais longo que revelasse qualquer traço de pesar. Ainda que Spigui tenha tentado interceder a seu favor, não lhe dei ouvidos.
A velha se foi. Ficamos só eu e ele.
Meu velho amigo.
Nós dois e a calmaria.
Nada de gritos.
Sonharíamos juntos os mais belos pesadelos.
Faríamos nada por tardes, madrugadas, semanas a fio...
Perderíamos prazos, gastaríamos dinheiro de forma irresponsável.
Saborearíamos o pavor de não conseguir realizar as tarefas a tempo, de não estar à altura da expectativa alheia, de fracassar de forma magistral e definitiva.
Ah, como seria belo este estrago. Que liberdade pode se encontrar assim!!
Vislumbrando tanta decadência terna, fomos à locadora, eu e Spigui.
"O que vai ser hoje, amigo? Comédia?"
"Ora, minha querida, não brinque assim... sabes muito bem que será Terror".

2 comentários:

Lee M. disse...

Divertidíssimo texto. Sei como é. E dona CS volta, a gente sempre chama ela de volta no último minuto de algum desespero... ;)

Fred Costa disse...

adorei o spigui... rsss