terça-feira, 19 de outubro de 2010

Reparação

Uma psicanalista afirma que os perversos - que chama de inovadores sexuais - tendem a manter uma relação de reparação constante - e maníaca - com seus objetos amorosos. Por reparação maníaca, para quem não preza a Sra. Klein, leia-se uma compulsiva e inconclusa tentativa de compensar os danos causados ao outro, algo sem muita reflexão e aprimoramento psíquico, mais próximo da descarga pulsional.
Pois bem, trata-se de Joyce McDougall, que ousou dizer que, sim, os perversos também amam... e mais: sentem-se culpados. Se existe um impulso à reparação, quer dizer que há em jogo algum quinhão de culpa...
Culpa de quê?
Em sua construção teórica, McDougall afirma que os desviantes no cenário sexual - ou seja, aqueles que precisam forjar um outro modo de fruição do prazer orgástico - lidam com uma grande falta em suas  representações internas. É como se para estas pessoas o objeto primário, a figura daquele que encarna toda a segurança e contenção de que necessita um bebê no início da vida, não pudesse ser retido. Se este outro que ampara se furta, não existe uma idéia, um símbolo que assegure para o sujeito que ele está protegido contra todos os percalços do mundo.
Dá para imaginar o enorme desamparo que tal situação poderia provocar em todos nós. E também o ódio que surgiria em seguida, deste adulto que deveria cuidar, e nos abandona sem dar garantias de seu retorno...
A busca frenética do perverso por um objeto que o complete - seja no fetiche, na encenação sadomasoquista, na pedofilia, ou no exibicionismo e voyerismo - cumpre a função de preencher o buraco deixado no passado. Encontrar um substituto para este outro que não mais lhe pertence, tomar posse dele, e repará-lo (à sua maneira) de todo o mal que suas fantasias destrutivas possam ter feito.
Entretanto, como disse, na perversão a reparação não é completa: não há um reconhecimento real das consequências nocivas de seus atos. O desviante se desculpa de quem ama-odeia propondo-lhe um teatro de que tudo vai bem. Neste sentido, demonstrações exageradas de afeto podem vir junto com irrupções coléricas, elogios são, ao mesmo tempo, carícias e zombarias dirigidas ao outro, condutas aparentemente misericordiosas revelam objetivos cruéis.
Muitos autores insistem em afirmar o caráter manipulador e cínico dos perversos.
Ora, se sopram agora, é que já pensam em morder depois...
A crença nesta postura totalmente arquitetada do perverso escamoteia uma faceta preciosa de sua personalidade.
Não, ele não perdoa tão fácil. Para alguns o horror do abandono é impossível de esquecer.
Punição se une à indenização que o sujeito oferece ao objeto: como tão bem ilustra o sádico que açoita e acaricia sua parceira no ato sexual.
Mas reparação, à la posição depressiva, como prega Melanie Klein... isso já é outra coisa...
Esta ferida não cicatrizada purga, e esquecê-la seria , para os desviantes de McDougall, abrir mão da própria existência. Pois algumas pessoas constituem uma identidade apoiando-se nesta chaga: no desejo ardente de vingança, e na esperança de manter vivo e ileso aquele que faz sofrer...
Qualquer semelhança com nossos sentimentos mais reprimidos não é mera coincidência.

3 comentários:

Anônimo disse...

Gostei do seu texto! e é legal que por caminhos muito diferentes, acho que estamos chegando a conclusões parecidas!
Anna

Larissa Bacelete disse...

;)
Bacana! Depois quero ler sua dissertação...

Dennyse Bacelete disse...

Então,
Fico me perguntando como é que vcs, psicanalistas, chegam ao veredicto sobre alguém ser ou não perverso. Até porque, conforme vc mesma afirma no fim de seu texto, não são meras as coincidências de comportamentos semelhantes de pessoas muito próximas. Será que convivemos com perversos sem perceber? Será que sou perversa e não sei?
Arff, ficar lendo seu blog começa me dar uma ânsia de fazer terapia... Acho que vou parar com isso (rs).