Quando eu era menina, gostava de desperdiçar amores.
Jogava fora aqueles que eu conseguia com grande esforço.
O coleguinha da escola, que só me olhou quando lhe emprestei a caneta na prova de matemática.
O menino da fazenda, que sempre tivera os olhos hipnotizados por minha prima.
Difícil convencê-lo de que eu também podia ser bonita, ou interessante.
Mas por fim, o venci pelo cansaço.
E foi aí que o deixei cair através da janela do meu quarto.
Lá de cima, do alto do prédio, via os pedacinhos de amor se espalhando pelo passeio.
Não me arrependia.
E não quero parecer altruísta: não era por culpa ou bondade.
Era só por desperdiçar.
Guardava numa caixinha, junto com meu único brinco de ouro e uns dentes de leite, as mágoas que mais me haviam ferido.
Muitas de mãe, tantas de pai.
Poucas de irmãos.
Menos ainda dos outros.
Algumas eram tão pequenas, e já tão antigas, que entravam numa espécie de estado de decomposição.
Iam perdendo os fragmentos, as palavras se desprendiam, algumas letras caíam...
e quando me dava na telha de remoer minhas mágoas, algumas eu já não conseguia.
No meio da frase agressiva, lá se tinha ido o palavrão. Cadê aquele safanão que eu lembrava ter guardado aqui?
As mágoas sofriam metamorfoses.
Algumas pareciam o bolo que mamãe fazia aos domingos. De uma hora para outra, cresciam de tal maneira, que temia que minha velha caixinha de veludo vermelho arrebentasse, e voasse tristeza para todos os lados.
No entanto, isso nunca aconteceu.
Por mais que as mágoas crescessem, sempre couberam lá dentro.
Pensando agora, deve ser por causa das outras que diminuíam de tamanho... faz sentido.
Mas eu dizia que gostava de desperdiçar amores.
Não é que os desprezasse.
Eu gostava deles. Era realmente duro consegui-los.
Mas a visão dos pedacinhos se espatifando lá embaixo era tão linda... uma chuva de amores perdidos, pra quem tivesse passando na rua...
Quem sabe uma velhinha não tomava para si o amor do fazendeiro?
Além do mais, todos os dias espiava minha caixinha de veludo.
Meu jardim de magoazinhas.
E aquilo era uma beleza de se ver: como se moviam, como mudavam, e viviam por elas mesmas.
Era um mundo à parte, aquela caixinha.
E me fascinava demasiadamente.
Desde então achava os amores chatos...eram bobos, redondos, brilhantes.
Bonito mesmo era vê-los cair.
2 comentários:
que lindo! Muito poético.
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