quarta-feira, 29 de outubro de 2008

A insistência do lembrar e a vontade de esquecer

Quem de nós nunca sentiu aquele desejo de ter na cabeça um gravador?
Às vezes temos o impulso de reter, capturar algo que gostamos.
Um trecho de livro que copiamos num papel, com a esperança de fixar na memória.
Uma música que escutamos sem parar, até decorarmos cada suspiro do cantor...
A memória é falha. Esquecemos datas importantes, compromissos, aniversários, nomes, telefones...
Mas será que é falha mesmo?
As descobertas freudianas foram muito elucidativas ao nos apontar a relação de cada lacuna com nossa subjetividade. Para toda ausência, uma presença. Para cada palavra que falta, muitos pensamentos que sobram. Para toda escassez, o excesso.
Li uma vez uma entrevista de um escritor nos lembrando das vantagens de esquecer. Pensem no quanto seria chato conservar intactas todas as histórias lidas, todos os filmes assistidos, todos os romances vividos... Pois a cada vez que lemos um conto,é outra coisa que ele nos conta. Um livro, depois de muitos anos na estante, é outro, nos mostrando algo além daquilo que já havíamos percebido antes.
Esquecemos, mas preservamos a possibilidade de um novo encontro, outra interpretação, nova experiência.
Recordo ainda o dia em que um homem que amei me disse que deletava meus emails, assim que os lia. E não era só isso: apagava também as mensagens no celular, rasgava cartas, e etc.
Amarguei o dissabor da rejeição, não sem pensar no significado daquele estranho e obsessivo ímpeto de me anular.
Não foi fácil lidar com este homem-borracha. Será que ele não era capaz de reconhecer meu investimento naquilo que eu lhe endereçava?
Muitas vezes ele tentou me apagar. Minimizou nosso envolvimento, e até usou expressões como "erro","fora de controle","mal entendido". Ele negou com veemência sentimentos que eram claros, reconhecíveis na atmosfera que nos rodeava. Mas eu, ainda atordoada pelo bobo e fútil final do romance, teimava em mostrar àquele homem o que ele lutava para esquecer.
E quanto mais eu insistia, mais ele parecia sofrer de algum tipo de moléstia da memória. Tenho para mim que se tivesse sido um pouco mais incisiva, ele alegaria jamais ter me conhecido...
Gostaria de ter dito para ele que por muito esforço que fizesse, não conseguiria desmanchar o ponto mais importante desta história.
Aquele homem hoje não lê as tantas palavras que lhe escrevi. Mas deve tê-las apagado, justamente por ainda escutá-las incessantemente...

5 comentários:

Anônimo disse...
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Anônimo disse...
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Anônimo disse...

Bons meus textos,melhores ainda seus comentários.
Já que "quase" me conhece,seja bem vindo ao blog,e comente sempre,pra dizer o que achou.Críticas também são bem vindas.

Anônimo disse...

Oi,sou eu, a amiga da Nayana de novo.
Você escreve bem. Traduziu meus confusos pensamentos em palavras simples. Gostei muito do texto, especialmente de um trecho que me fez refletir bastante: "Para cada palavra que falta, muitos pensamentos que sobram. Para toda escassez, o excesso."
Parabéns pelo blog!
Marcela

Anônimo disse...
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